Crónica de Alexandre Honrado – Outra vez a saudade de Lourenço

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Crónica de Alexandre Honrado – Outra vez a saudade de Lourenço

 

Recordo, sem a precisão necessária, a frase de Eduardo Lourenço, creio que no seu “O Labirinto da Saudade”, discurso crítico sobre a imagem que os portugueses somaram de si ao longo dos tempos, que li numa edição de antes de abril de 1974 – porém muitos anos depois,  já eu tinha idade para ler coisas mais adultas (riso).

No livro, e tirada de contexto, há uma frase que me ficou, onde Lourenço fala de “uma grande enxurrada de um imaginário lusíada submerso” que, repito, cito de cor por ter a pretensão de tê-la registada na memória. Espero que a frase seja assim, porque me agita sempre que a evoco.

Temo sempre constatar que um país que teve a ordem aventureira da vontade de partir pelo mundo – para descobrir-se? E assim sendo podemos ainda falar de Descobrimentos? -, que viveu afrontas como a acidez moral e cabotina do Estado Novo e da sua figurinha de opereta e botas de meio cano alto e pouca elasticidade, mas também de festas que pareceram a antecâmara das utopias realizáveis, temo que se ponha às vezes a jeito para naufragar.

Um País a deixar-se ir na grande enxurrada de um imaginário lusíada submerso, a chorar que não tem gasolina para ir à praia ou ao supermercado, esquecendo que os depósitos de outras viaturas precisam com urgência de servir o bem comum.

Um dia criticaram-me, em ato académico, por citar Eduardo Lourenço com euforia, pediram-me para não me esquecer de outros, mas sinceramente poucos encontrei que me dessem vontade de citar da mesma forma. Lourenço, aquele que me apontou potencialidades subversivas da linguagem e o impacte de sair do berço da memória para um lugar qualquer onde me fizesse.

Como um animal que teme os caçadores, ponho-me à espreita das frases que me rodeiam, dos títulos da titubeante e parcial imprensa, sempre apta a servir todos menos quem devia informar, vejo com repulsa os telejornais que tomam posição política de acordo com as seitas e as teias de aranha onde se movem.

Vejo jornais falidos que sobrevivem e projetos com alguma sanidade que falecem precocemente. Vejo a vaga de fundo de uma ignorância assustadora, a mesma que no Brasil mantém Bolsonaro contra o papão ameaçador de outra ordem, a mesma que na América vê Trump como o farol, talvez pela luz refletida no penteado excêntrico, o homem que comprará a Gronelândia, erguerá muros e desdenhará dos que fizeram os Estados Unidos – os emigrantes, os negros, os índios, os miscigenados, as mulheres, os poetas…

Uma ditadura faz-se em horas, na ponta da espingarda. Uma pátria livre constrói-se durante uma vida no melhor de cada um de nós.

Já oiço vozes que pedem espingardas. Vozes que se calarão se elas dispararem. E sofro pesadelos com corpos naufragados, que sucumbiram a uma grande enxurrada de um imaginário lusíada submerso…

Felizmente, acordo e vejo que ainda somos e podemos ser.

 

Alexandre Honrado


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